O abrigo Frida Kahlo, no Méier: casa, que abriga nove bebês, estaria sem água quente ou material de higiene Foto: Eliezer Pontes
RIO - Após receber diversas denúncias sobre a precariedade dos abrigos que acolhem crianças e adolescentes, o Ministério Público entrou com uma ação na Justiça para que a prefeitura do Rio regularize os repasses para as instituições, principalmente as 16 que são cogeridas por ONGs e atendem a 192 jovens. Segundo as queixas recebidas no MP, os abrigos estão sem funcionários, alimentos, água e produtos de limpeza.
A 1ª Vara da Infância e Juventude não concedeu a liminar pedida pelo MP, mas determinou que o município preste esclarecimentos sobre a situação dos repasses até a segunda quinzena de setembro. Caso a liminar seja concedida e a prefeitura - que vem anunciando uma crise na arrecadação - descumpra a determinação judicial, dinheiro do caixa municipal poderá ser arrestado para quitar eventuais dívidas com as organizações.
A situação mais grave, segundo o promotor Rodrigo Medina, coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Infância e da Juventude, é a do abrigo Frida Kahlo, no Méier. Aberta há apenas dois meses, a instituição, que abriga adolescentes grávidas e mães com bebês, já enfrenta tantos problemas que motivou, sozinha, outra ação do Ministério Público.
Nesse caso, a 9º Promotoria da Infância e Adolescência protocolou na Justiça, no último dia 25, um pedido para que o município regularize as condições do abrigo, sob pena de multa diária no valor de R$ 100 mil.
- Nunca tivemos uma situação como essa - ressaltou o promotor, enquanto era informado por mensagem de texto que o Espaço Eloos, instituição em Campinho que atende grávidas dependentes químicas, tivera a luz cortada na noite de sexta-feira. - Nunca se imaginou que isso fosse acontecer. Não temos detalhes do que acontece dentro da gestão da Secretaria de Assistência Social, mas o relato das pessoas que estão na rede de acolhimento e que procuram o MP é que não estão ocorrendo repasses regulares para todos os convênios.
A ação referente ao Frida Kahlo, assinada pela promotora Agnes Mussliner, descreve uma situação dramática na instituição, que hoje abriga 11 mulheres e nove bebês. Lá, as mães sequer têm água quente para providenciar o banho das crianças - é preciso improvisar, esquentando a água gelada que sai das torneiras no micro-ondas.
Na ação, a promotora sustenta que o imóvel onde fica o abrigo não tem estrutura hidráulica para atender às necessidades das jovens, dos bebês e dos próprios funcionários. "Não há nenhuma saída de água em dois dos quatro banheiros, que estão completamente interditados", escreve a promotora. Segundo detectou o Ministério Público em vistoria, apenas em um banheiro a descarga do vaso sanitário funciona.
Outro problema grave é que não há fornecimento de materiais de higiene pessoal e limpeza na unidade, incluindo detergentes para lavar louça, água sanitária, sabão em pó, pomadas, lenços e sabonetes para os bebês, entre uma longa lista de produtos. São as adolescentes que providenciam os itens necessários, com os recursos que recebem do Bolsa Família.
Na ação, a Promotoria diz ainda que não há telefone fixo para que as adolescentes possam entrar em contato com parentes, apenas um aparelho celular, "cujos créditos terminam entre os dias 15 e 20 de cada mês". "As adolescentes só podem utilizar o aparelho de telefonia celular para se comunicarem com seus familiares uma vez por semana e até o dia 20 do mês, no máximo".
Já no abrigo Lucinha Araújo, na Tijuca, que também é alvo de uma ação individualizada, faltam funcionários para cuidar das crianças e adolescentes de maneira adequada, diz o MP. A unidade tem 13 acolhidos e demandaria mais de um educador por plantão, segundo o MP, já que há crianças com necessidades de saúde especiais. A ação diz que só não faltaram materiais de limpeza e alimentos graças a doações feitas ao abrigo:
"No que diz respeito aos suprimentos, sejam de alimentos, de produtos de limpeza e conservação e ainda de higiene pessoal, a despeito da informação quanto à regularidade das remessas, observou-se que a falta ainda não ocorreu diante das doações recebidas pela instituição, e não pelo envio adequado dos mesmos".
Além dos dois abrigos, o MP ouviu denúncias de pelo menos outras nove unidades. No abrigo Malala Yousafzai, que fica em Botafogo, a água parou de chegar às torneiras, e as nove adolescentes de 12 a 17 anos que moram na instituição tiveram que ser transferidas para a Casa de Acolhida do Catete, onde já há nove abrigados. Depois disso, o Ministério Público passou a receber denúncias de superlotação da segunda unidade.
Já o Dom Helder Câmara, na Cidade Nova, segundo relatos ouvidos pelos promotores, sofre com falta de funcionários. Nos abrigos Ziraldo e Raul Seixas, que têm juntos 38 crianças e adolescentes, faltam materiais de higiene e limpeza, segundo funcionários. Na Casa Viva de Bangu, uma das quatro instituições administradas pelo Viva Rio que tiveram contrato rompido pela prefeitura na semana passada, a falta de funcionários era tão dramática que foi preciso convocar um funcionário de outra área da ONG, fora do abrigo, para pernoitar no local.
A Secretaria municipal de Assistência Social e Direitos Humanos informou que as ONGs estão recebendo os repasses de acordo com as prestações de contas de gastos realizados. Segundo o órgão, algumas unidades não prestaram contas ainda, e, portanto, não receberam integralmente verbas.
A pasta afirma ainda que outra ONG substituirá o Viva Rio nos quatro abrigos. Informou ainda que os reparos na rede hidráulica do abrigo Frida Kahlo estão sendo providenciados, assim como o conserto de uma geladeira do local.
Fonte: Jornal Extra